A controversa passagem de Patrícia Amorim pela presidência do Flamengo

Patrícia Amorim foi a presidente do Flamengo no triênio 2010-2012, não conseguindo se reeleger. Imagem: Reprodução.

Por Marllon Alves

            Patrícia Amorim foi uma notável nadadora no passado, alcançando feitos importantes e ganhando muitos prêmios por causa disso. Ela fez história também quando, em mais de 120 anos do clube, tornou-se a única mulher a presidir o Clube de Regatas do Flamengo. Entretanto, a passagem de Patrícia Amorim pela presidência do clube em questão não é unanimidade até os dias atuais.

            Patrícia Amorim nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1969. Começou a nadar ainda criança e com apenas três anos já nadava no Botafogo de Futebol e Regatas (clube que, junto de Flamengo, Fluminense e Vasco, são os quatro maiores clubes de futebol do estado do Rio de Janeiro), chegando ao Flamengo em 1977. Por este clube, Patrícia conquistou 28 Campeonatos Brasileiros nos 200, 400, 800 e 1500 metros livres, além de várias quebras de recordes. Participou dos Jogos Pan-Americanos de 1987, disputado nos EUA, ficando com o quarto lugar no revezamento 4x100m medley e 200m livre. Representou o Brasil nas Olimpíadas de Seul, em 1988, ficando com 11ª posição no revezamento 4×100 livre. Patrícia Amorim nadou também nas Macabíadas em Nova York, Chicago e Israel. Deixou de competir quando tinha apenas 25 anos de idade, formando-se em Educação Física. Desde então, passou a ocupar diversos cargos no Flamengo, como por exemplo professora, diretora, vice-presidente de Esportes Olímpicos e, enfim, a presidência do clube em questão.

Patrícia Amorim na infância e durante atuação no Flamengo. Ainda criança, Patrícia mostrava grande talento para a natação. Imagem: Reprodução.

            No ano 2000, Patrícia Amorim foi eleita vereadora pela cidade do Rio de Janeiro com 24.651 votos, tendo como partido o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A agora ex-atleta foi reeleita nos anos de 2004 e 2008. O lema de Patrícia Amorim era “defender os interesses do esporte”. A trajetória de Patrícia Amorim como atleta, a sua atuação dentro do Flamengo e as três vezes em que foi eleita vereadora renderam a mesma capital político suficiente para que pudesse ser eleita presidente do Clube de Regatas do Flamengo. Conforme citado na introdução deste texto, Patrícia Amorim fez história ao ser a única mulher a ocupar o cargo máximo de um clube que tem a maior torcida do mundo. Além disso, o mandato da ex-nadadora ficou marcado por ocorrer no ano do centenário do futebol dentro do clube (1912-2021). O time do Flamengo está representado em diversas modalidades esportivas, sendo o futebol a mais conhecida e lucrativa. Desta forma, a análise do mandato presidencial de Patrícia Amorim será feita tendo como ponto de partida o futebol.

            Em 2009, quando Patrícia Amorim foi eleita para um mandato de três anos (2010-2012), o Flamengo havia conquistado o Campeonato Brasileiro pela sexta vez. O primeiro ano da mandatária foi marcado pela prisão e posterior rescisão de contrato do goleiro Bruno, jogador até então em ascensão e decisivo em muitos momentos importantes para o clube. Recaía sobre ele a acusação de assassinato e esquartejamento de Eliza Samúdio, cujo corpo nunca foi encontrado. Eliza engravidou de Bruno e esta teria sido a motivação para o crime, uma vez que Bruno não queria ter a criança. Antes disso, Patrícia Amorim havia repreendido Bruno quando este relativizou a violência doméstica em uma entrevista. Após a repreensão, Bruno pediu desculpas publicamente. Foi durante a gestão da mandatária em questão que Adriano Imperador e Vagner Love formaram a poderosa dupla de ataque que ficou conhecida como Império do Amor. Outro jogador que marcou a história do clube e o mandato de Patrícia Amorim foi Ronaldinho Gaúcho. Jogador de habilidades incomuns, pentacampeão mundial e eleito por duas vezes o melhor futebolista do mundo, o Flamengo conseguiu o que muitos clubes tentaram em vão: contratar o bruxo. O feito foi bastante noticiado pela mídia e recebido com empolgação por parte da torcida rubro-negra. Aliás, a euforia foi tanta que os torcedores quebraram um portão da sede do Flamengo para ver aquele que até hoje é considerada uma lenda do futebol mundial. Entretanto, a alegria durou pouco: o bruxo foi criticado pela torcida, mídia e dirigentes por seu desempenho abaixo do esperado e uma controversa vida fora dos gramados. Assis, irmão e empresário de Ronaldinho Gaúcho, acusou o clube de inadimplência quanto ao salário do jogador. O assunto parou na justiça e o agora ex-jogador ganhou uma liminar que o permitiu romper seu contrato com o Flamengo e cobrar um valor de R$40 milhões referentes a salários atrasados e direitos de imagem. Em seguida, Ronaldinho assinou com o Atlético-MG, time que conquistaria a Libertadores da América de 2013. Patrícia Amorim reagiu duramente a situação e tentou mobilizar a torcida contra o jogador. O Flamengo chegou a exibir um vídeo onde o jogador supostamente se relaciona com uma mulher nas dependências do clube. Tal fato motivou Ronaldinho a mover na justiça uma ação contra o Flamengo por danos morais no valor de R$15 milhões.

Festejado em sua chegada, a relação entre Patrícia Amorim e Ronaldinho Gaúcho não tardou para azedar. Imagem: Reuters.

            Conforme analisado no parágrafo acima, houve momentos marcantes, dentro e fora de campo, no futebol do Flamengo na gestão de Patrícia Amorim. Um destes fatos lembrados até hoje é a inesquecível partida entre Flamengo e Santos, ocorrida julho de 2011. No lado rubro-negro, o time comandado por Vanderlei Luxemburgo tinha nomes como Ronaldinho Gaúcho (um dos protagonistas deste momento épico), Léo Moura, Ronaldo Angelim e Thiago Neves. Na parte do Santos (que conquistou o tricampeonato da Libertadores da América em 2011, era bicampeão paulista e considerado o melhor time do Brasil), o time de Muricy Ramalho contava com nomes como Neymar (até então uma estrela em plena ascensão com menos de 20 anos), Paulo Henrique Ganso (visto por muitos como uma promessa do futebol, dentro e fora do Brasil), Pará (que mais tarde jogaria no Flamengo), Elano e Alan Kardec. Em um jogo onde nove gols foram feitos (cinco para o Flamengo e quatro para o Santos), alguns fatos (que aliás ajudam a entender a eternidade desta partida na memória de muita gente) merecem destaque: a atuação de Neymar (o mesmo vivia um dos melhores momentos em sua carreira como atleta. Ele havia conquistado dois títulos paulistas, uma Copa do Brasil e uma Libertadores da América. Tudo isso entre os anos de 2010 e 2011. Um dos gols do mesmo conquistou o prêmio Puskás em 2011 de gol mais bonito do mundo), a atuação de Ronaldinho Gaúcho (o ídolo do futebol mundial fez uma das melhores partidas com a camisa rubro-negra, marcando três gols. Um dos mesmos foi de falta, em um leve toque por baixo da barreira. Entende agora porque quase sempre tem um jogador deitado atrás da barreira? Então) e a embaixadinha do até então goleiro rubro-negro Felipe, que fez embaixadinha após defender um pênalti sem esforço cobrado por Elano. Apesar dos momentos inesquecíveis, a gestão de Patrícia Amorim não conseguiu trazer títulos de visibilidade nacional ou internacional (uma Copa Libertadores da América, por exemplo) para o Flamengo. Os únicos títulos conquistados foram a Taça Rio 2011, Taça Guanabara 2011 e o Campeonato Carioca 2011. Há quem considere as três taças aqui citadas como componentes de um único campeonato, que é o Carioca, também conhecido como Cariocão. Com isso, alguns podem achar que o único título que o futebol rubro-negro conquistou na gestão de Patrícia Amorim foi o Campeonato Carioca.

            O mandato presidencial de Patrícia Amorim foi marcado por demissões de técnicos de futebol (Andrade, que havia conquistado o Campeonato Brasileiro de 2009; e Vanderlei Luxemburgo, por exemplo) e de pessoas que ocupavam postos de comando dentro do Flamengo. Neste contexto, a demissão lembrada até hoje é a de Zico, eterno ídolo do clube. Descontente com a direção de Patrícia Amorim, o Galinho se desligou do cargo de diretor de futebol. A situação foi tão séria que ambos passaram um tempo sem manterem contato. Anos depois, em entrevista, a própria Patrícia Amorim reconheceu a tensão que se fez presente em praticamente toda a sua gestão. Ela credita este ambiente hostil ao “massacre político” que teve de enfrentar. A ex-mandatária rubro-negra acredita que na atualidade uma mulher no posto de comando de um clube de futebol não passaria pelas situações que a mesma experimentou entre fins dos anos 2000 e inicio dos anos 2010. É importante ressaltar que o assunto deste texto é sobre uma mulher que se tornou a primeira de seu sexo a comandar o Flamengo em um contexto em que o time completava mais de 110 anos de sua existência. Historicamente, dentro e fora do Brasil, o futebol é comandado majoritariamente por homens brancos. A considerável presença de negros fica restrita aos times e, às vezes, à torcida, dependendo do valor do ingresso cobrado para assistir uma partida.

            Justificando de forma indireta a ausência de títulos de expressão nacional conquistados em seu mandato, Patrícia Amorim disse em certa ocasião que chegou no Flamengo em um momento onde o mesmo passava por uma transição. Isso porque o presidente anterior disse que o clube estava falido. Além disso, salários e décimos terceiros estavam atrasados. Patrícia Amorim credita a si mesma o contrato da Adidas e a negociação com a TV Globo acerca dos direitos de transmissão dos jogos do Flamengo como os pontos altos de sua gestão na área financeira. Outro ponto alto que Patrícia Amorim destaca em sua gestão é a valorização patrimonial do Flamengo, ocorrida depois de muitos concertos nos mesmos. Todas estas reformas fizeram com que algumas pessoas dentro do clube dessem a Patrícia Amorim a alcunha pejorativa de “Presidente do parquinho”. A ex-mandatária acredita que recebeu este apelido pelo fato de ser mulher. Foi também na gestão da ex-nadadora que houve a reestruturação das categorias de base do Flamengo, seguindo à risca o antigo lema rubro-negro: “craque a gente faz em casa”. Atualmente, o trabalho de base do futebol rubro-negro é referência em todo o Brasil. Além disso, nomes como João Gomes, Vinícius Júnior e Lucas Paquetá; que tiveram passagem pela base rubro-negra, brilham no futebol nacional e internacional. 

Patrícia Amorim foi sucedida por Eduardo Bandeira de Mello na presidência do Flamengo. O então novo mandatário chegou em um momento onde o clube tinha a maior dúvida do futebol brasileiro. Imagem: Marcelo Carnaval/Agência O Globo.

            Patrícia Amorim se orgulha porque, ao fim de seu mandato presidencial, em 2012, o caixa do Flamengo estava com R$80 milhões. Por outro lado, o clube tinha um déficit de R$20 milhões. Entretanto, quando Eduardo Bandeira de Mello, o sucessor de Patrícia Amorim, assumiu a presidência do Flamengo, o clube rubro-negro tinha uma dívida de aproximadamente R$800 milhões, era a maior dívida do futebol brasileiro. Além disso, o clube sofria com a falta de credibilidade. Foram precisos alguns anos para que o Flamengo equilibrasse as suas dividas e se tornasse o clube milionário que é nos dias atuais.

Conclusão

A gestão de Patrícia Amorim foi marcada por erros e acertos, assim como a de todos os outros homens que passaram pela presidência do Flamengo. Patrícia Amorim herdou problemas da gestão anterior e deixou problemas que couberam ao seu sucessor resolver. Assim como os demais, a única presidente a passar pelo cargo máximo do Flamengo deixou seu legado no clube, mas não é fácil obter o reconhecimento deste fato em um ambiente predominantemente branco e masculino.

Referências:

https://terceirotempo.uol.com.br/que-fim-levou/patricia-amorim-5239 visualizado no dia 08/11/2022;

https://flaestatistica.com.br/presidentes/p/patricia-amorim-1 visualizado no dia 08/11/2022;

https://ge.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2012/07/patricia-amorim-e-zico-juntos-para-eternidade-mas-so-no-muro-do-ct.html visualizado no dia 08/11/2022;

https://extra.globo.com/esporte/extra-campo/patricia-amorim-ex-flamengo-quebra-silencio-de-quatro-anos-nao-quero-nem-ver-ronaldinho-gaucho-20794547.html visualizado no dia 08/11/2022;

https://jogada10.com.br/oito-motivos-que-fazem-o-jogo-santos-4×5-flamengo-na-vila-ha-dez-anos-ser-tao-especial/ visualizado no dia 08/11/2022;

https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/9748735/flamengo-patricia-amorim-diz-assinou-com-vini-jr-e-cia-rebate-massacre-politico-deixei-80-milhoes-em-caixa visualizado no dia 08/11/2022;

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/02/deportes/1520024774_927536.html visualizado no dia 08/11/2022.

Como citar este texto:

– ALVES, Marllon. A controversa passagem de Patrícia Amorim pela presidência do Flamengo. In: Gênero e História. Disponível em: https://generoehistoria.com/2022/11/14/a-controversa-passagem-de-patricia-amorim-pela-presidencia-do-flamengo/ publicado no dia 14/11/2022.

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