Daniella Perez: a namoradinha do Brasil

Daniella Perez em pose para foto. Imagem: Arquivo pessoal.

Por Marllon Alves

            Daniella Perez teve uma carreira meteórica e que foi interrompida de forma abrupta. Iniciou sua carreira como bailarina e com o passar dos anos revelou-se uma brilhante atriz. A rápida ascensão na dramaturgia fez com que a mesma começasse a ser apontada como a “namoradinha do Brasil”. Este não era um posto qualquer. Afinal de contas, ele é tradicionalmente atribuído a uma atriz que no começo dos anos 1990 já tinha uma carreira consolidada e consagrada.

            Filha da novelista e historiadora Glória Perez e do engenheiro Luiz Carlos Saupiquet Perez, Daniella Perez é a filha mais velha de uma família de três irmãos. A nível de curiosidade, Rodrigo, o segundo filho de Glória Perez, é advogado. Já Rafael, o terceiro filho, nasceu com uma condição que nem a Medicina conseguiu de fato explicar e faleceu no ano de 2002. Oriunda de uma família de classe média, Daniella Perez começou a dançar ainda na infância, se dedicando ao teatro posteriormente. Ingressou na faculdade de Direito, assim como um de seus irmãos, mas a vocação artística falou mais alto e Daniella não concluiu a graduação em questão.

Daniella Perez e Raul Gazolla em cena de Kananga do Japão (1989). Ambos se casaram no ano seguinte. Imagem: Reprodução.

            A estreia de Daniella Perez em novelas foi em Kananga do Japão (1989), produzida pela extinta TV Manchete, emissora onde a mãe da atriz também trabalhou, escrevendo a telenovela Carmem (1987) para a mesma. Ambientada no Brasil dos anos 1930 e no contexto histórico do mesmo, Kananga do Japão (1989), cujo nome é uma referência a um famoso bordel da década de 1930, conta a história de Dora Tavares (Cristiane Torloni), uma moça rica que perdeu tudo com a Crise de 1929. A mesma se apaixona por Alex Lima (Raul Gazolla), mas desejando a vida de outrora, se casa com Danilo (Giuseppe Oristanio). Desta forma, um triângulo amoroso é formado. A participação de Daniella Perez nesta novela era pequena e foi contracenando com Raul Gazolla que ambos se apaixonaram. A paixão foi tão intensa que ambos se casaram em 1990. É interessante notar que, ao lado de atores como Humberto Martins, Herson Capri, Victor Fasano, Kadu Moliterno, Fábio Júnior e Edson Celulari, por exemplo, Raul Gazolla integrou o time de galãs brasileiros dos anos 1980.

Daniella Perez ao lado de Jorge Pontual e Jaqueline Lawrence em cena de O Dono do Mundo (1991). Imagem: Reprodução.

            Barriga de Aluguel (1990) é a segunda novela do currículo de Daniella Perez. Escrita por Glória Perez, a novela tem como personagens centrais o casal Ana Lúcia (Cássia Kis) e Zeca (Victor Fasano) e Clara Ribeiro (Cláudia Abreu). Após ter tentado engravidar muitas vezes, Ana Lúcia descobre que não pode gerar uma criança. O renomado médico de Ana diz que a possibilidade da mesma ser mãe é contratar uma barriga de aluguel. De origem humilde e tendo mais de uma jornada de trabalho, Clara aceita ser a barriga de aluguel de Ana, que oferece a jovem US$ 20 mil pelo serviço. No decorrer da gestação, Clara se envolve emocionalmente com a criança e reluta em entregar a mesma após o nascimento. A situação ganha contornos mais dramáticos depois de Clara ficar estéril após um parto difícil. O grupo de dança que Daniella Perez fazia parte foi convidado pela TV Globo para serem dançarinos na novela em questão. A atriz fez um teste individual e conseguiu o papel de Clô, uma bailarina que dançava no Copacabana Café. Por conta de seu talento e carisma, a personagem de Daniella Perez ganhou espaço na trama. Rejeitada quando teve a sua sinopse apresentada pela primeira vez à alta cúpula da TV Globo, Barriga de Aluguel (1990) fez grande sucesso na época de sua primeira exibição e levou o grande público a discutir a temática da inseminação artificial. Atualmente, a novela em questão é um clássico da teledramaturgia brasileira.

            O trabalho de Daniella Perez em Barriga de Aluguel (1990) chamou a atenção do diretor Dennis Carvalho, que a convidou para trabalhar na novela O Dono do Mundo (1991). Com a proposta de discutir valores éticos, tal novela de Gilberto Braga conta a história de Felipe Barreto (Antônio Fagundes), um cirurgião plástico antiético e que é casado com Stella (Glória Pires) por interesse, uma vez que a família desta é rica. No decorrer da trama, Felipe se vê atraído por Márcia (Malu Mader), uma professora simples e moradora do subúrbio. Por sua vez, Márcia é casada com Walter (Tadeu Aguiar), um funcionário da clínica de Felipe. Nesta novela, Daniella Perez deu vida a Yara, irmã da personagem de Glória Pires, uma das principais do folhetim em questão. Além de ser irmã de Glória Pires, nesta mesma novela Daniella era filha de Stenio Garcia na trama. Yara chamava a atenção de alguns rapazes na trama e um destes era Xará/Alfredo (Jorge Pontual), mas foi com Umberto (Marcelo Serrado) que Yara formou um par romântico. Yara é considerado o primeiro papel de destaque da curta carreira de Daniella Perez como atriz. O Dono do Mundo (1991) não teve uma boa repercussão e Gilberto Braga, autor da novela, precisou fazer muitas alterações para que o folhetim ganhasse a simpatia do público.

Daniella Perez e Fábio Assunção em De Corpo e Alma (1992). Os atores formavam um par romântico no folhetim e esta foi a última novela de Daniella. Imagem: Reprodução.

            No ano de 1992 é exibida a novela De Corpo e Alma, escrita por Glória Perez. Tendo por temática central a doação de órgãos, o folhetim em questão conta a história de Diogo (Tarcísio Meira), um juiz íntegro e que não vê perspectivas em seu casamento com Antônia (Betty Faria) ao perceber que está apaixonado por Betina (Bruna Lombardi), um amor do passado. O dever fala mais alto e Diogo decide manter seu casamento com Antônia. Após uma discussão com Diogo, Betina morre em um acidente de carro. Seu coração é transplantado em Paloma (Cristiana Oliveira), uma moça casada com o stripper Juca (Victor Fasano), que trabalha no Clube das Mulheres. Depois do transplante, Paloma se vê apaixonada por Diogo, para desgosto de Antônia. Graças a tal folhetim, a doação de órgãos aumentou consideravelmente na época e os Clubes das Mulheres se popularizaram pelo Brasil. Nesta novela, Daniella Perez deu vida a Yasmin, irmã de Paloma e filha de Domingos (Stenio Garcia). Neste folhetim, Daniella Perez e Stenio Garcia trabalharam como pai e filha pela segunda vez. A primeira havia sido em O Dono do Mundo (1991). Yasmin é apaixonada por Caio (Fábio Assunção, cuja imagem de galã se consolidaria nos anos seguintes), mas como as famílias eram rivais, o romance foi impedido. Por conta deste fato, Yasmin inicia um relacionamento com Bira (Guilherme de Pádua), um cobrador de ônibus e amigo da família de Yasmin. Entretanto, o relacionamento não vai adiante porque Yasmin não consegue esquecer Caio.

Daniella Perez e Guilherme de Pádua como Yasmin e Bira em De Corpo e Alma (1992). Imagem: Reprodução.

            De Corpo e Alma (1992) é uma novela que ficou marcada pelo assassinato de Daniella Perez, motivo pelo qual nunca foi reprisada. Era de conhecimento dos profissionais envolvidos na novela em questão que Guilherme de Pádua assediava Daniella na tentativa de esta convencer a mãe a aumentar a sua participação no folhetim. Os assédios foram se tornando cada vez mais constantes. Entretanto, Daniella não dizia nada a ninguém, apesar de o mesmo ser evidente. Uma das características dos trabalhos de Glória Perez é o mershan social (abordar temáticas de interesse público, como por exemplo a inseminação artificial, doação de órgãos, desaparecimento de crianças, vício em drogas, deficiência visual, cleptomania, tráfico humano… todos estes assuntos já foram abordados por Glória Perez em seus folhetins). Na época em que a novela em questão estava sendo exibida havia uma onda de sequestros no Rio de Janeiro, motivo pelo qual o Disque Denúncia foi criado. Glória achou por bem divulgar o então novo serviço e escreveu um sequestro que ocorria no núcleo suburbano de De Corpo e Alma (1992), onde o personagem de Guilherme de Pádua estava inserido. Glória Perez dedicou praticamente um bloco inteiro de capítulos em cima do sequestro em questão. Bloco entregue, a autora é comunicada por Mário Lúcio Vaz, então diretor geral da Central Globo de Produção, que a única interferência de Roberto Marinho (então dono do Grupo Globo) era não falar de sequestro em novelas por acreditar que este fato incentivaria tal prática. Desta forma, Glória Perez teve de reescrever seis capítulos (cada bloco tem essa quantidade) em uma única noite. Como isso é humanamente impossível, a solução encontrada foi diminuir as cenas do subúrbio e aumentar as cenas que não se passavam ali. Isso aconteceu na mesma semana em que o ônibus de Bira incendiava e a Yasmin rompia o namoro com o mesmo. Ao receber os capítulos reformulados às pressas, Guilherme de Pádua constatou que não aparecia em dois capítulos, algo que nunca havia acontecido até então. O ator acreditou que os rumos que seu personagem estava tomando e a sua ausência em dois capítulos estavam relacionados a uma suposta reclamação que Daniella Perez fez de si a mãe. Guilherme de Pádua acreditou também que sua ausência seria uma punição por parte de Glória Perez. Assim, a solução encontrada foi matar Daniella. Há uma hipótese em que se acredita que o alvo de Guilherme era Glória Perez, mas na impossibilidade de matar esta, optou-se por matar a filha.

            No dia 28 de dezembro de 1992, Guilherme de Pádua gravou na parte da manhã e retornou na parte da noite para retomar o trabalho. Neste dia, o ator dizia a todos constantemente que precisava buscar a esposa no shopping (no julgamento este fato foi álibi pelos criminosos para não serem desmascarados). Ao retornar ao estúdio, foi observado que um grande lençol branco cobria um grande volume no banco traseiro de Guilherme de Pádua. O fato chamou a atenção, mas como faltavam poucos dias para o réveillon, achou-se que o ator iria passar a virada do ano em um lugar distante. Quando as gravações do dia foram encerradas, Daniella Perez e Guilherme de Pádua foram embora, mas não sem antes posarem para fotos com os fãs. Quando Daniella parou em um posto de gasolina para abastecer, Guilherme de Pádua emboscou a colega de elenco. Ele deu um soco na atriz e a colocou no carro da mesma. A agressão foi tão violenta que a jovem desmaiou e teve seu maxilar quebrado. Além disso, a violência envolvida fez com que a atriz urinasse na própria roupa. Paula Thomaz (que hoje assina Paula Nogueira Peixoto), que estava o tempo todo escondida no banco traseiro do carro de Guilherme, assume o volante deste mesmo veículo. Ambos vão para um local ermo da cidade do Rio de Janeiro e neste lugar, ainda no carro de Guilherme e desacordada, Daniella recebe aproximadamente dezoito punhaladas que perfuraram o coração (que ficou exposto) e o pulmão. Após isso, o corpo de Daniella Perez é arrastado até o matagal próximo e os assassinos fogem, deixando o carro da atriz para trás. A placa do veículo do ator foi adulterada (não sem antes ser anotada por Hugo da Silveira, um advogado que passava no local) e Guilherme e a esposa chegaram a prestar condolências a Glória Perez e Raul Gazolla, esposo de Daniella. Entretanto, a farsa durou pouco e o casal de assassinos foi desmascarado. O assassinato de Daniella Perez causou choque e revolta em todo o Brasil; e mudanças no Código Penal foram solicitadas a fim de que Guilherme e Paula fossem punidos com rigor pela lei. Ambos pegaram mais de dez anos de prisão, mas não cumpriram a totalidade da pena por apresentarem bom comportamento durante o período de reclusão.

Daniella Perez olha sorridente para a câmera. Créditos na imagem.

            Quando faleceu, Daniella Perez vivia aquilo que parecia ser o melhor momento de sua carreira. Sua atuação em O Dono do Mundo (1991) e De Corpo e Alma (1992) fizeram com que parte do público e da mídia a apontassem como a nova “namoradinha do Brasil”. Este apelido é referente a personagens ingênuas e também carismáticas, fazendo as mesmas se tornassem muito populares. A primeira atriz e também a que mais tempo ocupou esse posto foi Regina Duarte. Daniella Perez passou a ser vista como a candidata ideal para substituir aquela que deu vida a três Helenas do novelista Manoel Carlos. Mesmo que do ponto de vista simbólico, este fato não deve ser visto de forma banal. Isso porque Daniella Perez era vista como a substituta ideal de Regina Duarte, atriz que no início dos anos 1990 já tinha feito história na teledramaturgia brasileira. Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972), Malu Mulher (1979), Guerra dos Sexos (1983), Roque Santeiro (1985), Vale Tudo (1988) e Rainha da Sucata (1990) foram algumas das novelas que Regina Duarte havia feito até então, presenteando os telespectadores com personagens lembrados até nos dias atuais.

Conclusão

            A estrutura familiar de Daniella Perez permitiu que a mesma desenvolvesse suas habilidades artísticas ainda na infância. O fato de a mãe já ser uma novelista consagrada na época de seu assassinato facilitou o aparecimento de Daniella na frente das câmeras. Entretanto, Daniella Perez mostrou que merecia estar onde estava porque tinha talento para isso e não porque a mãe era uma novelista de sucesso. A trajetória artística de Daniella parecia promissora. Em um dos trailers de divulgação de Pacto Brutal (2022), série da HBO Max sobre o assassinato de Daniella Perez, um Eri Johnson muito emocionado diz que “hoje ela (Daniella Perez) seria uma tremenda estrela”. Entretanto, isso é algo que ninguém nunca vai saber de fato.

Referências:

https://tvhistoria.com.br/como-globo-explicou-saida-de-daniella-perez-em-de-corpo-e-alma/ visualizado no dia 15/12/2022;

https://extra.globo.com/famosos/daniela-perez-viveu-seu-primeiro-papel-de-destaque-em-dono-do-mundo-que-ganha-sua-primeira-reprise-veja-fotos-da-atriz-14368335.html visualizado no dia 15/12/2022;

https://natelinha.uol.com.br/famosos/tudo-sobre/daniella-perez visualizado no dia 15/12/2022;

http://www.daniellaperez.com.br/?p=2658 visualizado no dia 15/12/2022.

Como citar este texto:

– ALVES, Marllon. Daniella Perez: a namoradinha do Brasil. In: Gênero e História. Disponível em: https://generoehistoria.com/2022/12/15/daniella-perez-a-namoradinha-do-brasil/ publicado no dia 15/12/2022.

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