Leila Diniz e a emancipação feminina

Leila Diniz em pose para foto. Imagem: Acervo UH/Folhapress.

Por Marllon Alves

            Leila Diniz foi uma atriz brasileira que faleceu em tenra idade, deixando seu legado para a televisão e o cinema brasileiros. Embora não tenha participado de grupos de oposição ao regime civil-militar até então em vigor, Leila Diniz foi perseguida por esta mesma ditadura pelo fato de ter um discurso em prol da emancipação das mulheres.

            Leila Diniz formou-se em magistério a fim de ser professora do jardim de infância em Ipanema, bairro nobre da cidade do Rio de Janeiro. Aos 17 anos de idade conhece o cineasta Domingos de Oliveira, com quem viria a se casar. O casamento durou apenas três anos e foi neste período que surgiu a oportunidade de trabalhar como atriz. Posteriormente, Leila Diniz conheceu Ruy Guerra, com quem viria a ter Janaína Diniz Guerra, sua única filha.

Leila Diniz e Reginaldo Faria em cena de Ilusões Perdidas (1965). Leila Diniz foi a primeira mulher a protagonizar a primeira novela da TV Globo. Imagem: Reprodução.

            Ao longo de sua curta carreira, Leila Diniz atuou em cerca 12 telenovelas e 15 filmes. Destaque para Ilusões Perdidas (1965), primeira telenovela da TV Globo e que teve Leila Diniz como protagonista. Esta novela foi produzida no mesmo ano em que a Rede Globo de Televisão foi fundada. Outra novela que merece destaque é O Sheik de Agadir (1966), que fez história na televisão brasileira por ter o primeiro personagem serial killer da TV nacional. No decorrer do folhetim, inúmeros assassinatos vão acontecendo e no fim é descoberto que quem os matava era Éden de Bassora, personagem de Marieta Severo. A atriz em questão e Chico Buarque, que já foram casados, cuidaram da filha de Leila Diniz quando esta faleceu. Dentre os filmes em que Leila Diniz esteve no elenco, destaque para Todas as Mulheres do Mundo (1967), onde ela interpretou Maria Alice, que conhece o bon vivant Paulo (Paulo José), que abandona as mulheres com quem se relacionava para viver com a personagem interpretada por Leila Diniz. A película está na lista feita pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

            Além de ser conhecida por sua atuação, Leila Diniz tornou-se conhecida por falar aberta e francamente acerca de sua vida pessoal. Este fato trouxe problemas para a atriz em questão porque o Golpe de 1964, além de ser político, foi também um golpe moral. Desta forma, assuntos relacionados aos direitos das mulheres, aos LGBTQIAP+ (tal sigla não existia na época) e a população negra, por exemplo, eram proibidos. Em 1969, auge da Ditadura Civil-Militar (o AI-5 havia sido decretado no ano anterior, endurecendo o regime contra seus opositores), Leila Diniz deu uma entrevista polêmica para o jornal O Pasquim. Recheada de asteriscos por conta dos palavrões, Leila deu declarações do tipo: “Não acredito nessa coisa do amor possessivo e acho chato. Você pode amar uma pessoa e ir para a cama com outra. Isso já aconteceu comigo”. “Desbocada”, Leila usava palavrões para falar de amor, sexo, desejo, prazer, casamento e fidelidade. E foi justamente por falar sobre estes assuntos que Leila Diniz quase foi presa. Nesta mesma entrevista, a atriz também disse: “Porr*, um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até do macaco”.

            As reações às falas e comportamentos de Leila Diniz foram imediatas. Em 1970, entrou em vigor o Decreto-Lei Nº 1.077/1970, conhecido popularmente como Decreto Leila Diniz. Assinado pelo então presidente Emílio Médici e pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, era um decreto que instaurava a censura prévia à imprensa. Com isso, tudo o que saísse na mídia deveria passar com antecedência pelos censores do regime. Além disso, Leila Diniz foi acusada de ajudar militantes de esquerda, algo que nunca foi provado. Para fugir da censura, chegou a refugiar-se no sítio do jornalista e apresentador Flávio Cavalcanti em Petrópolis (RJ). Uma ordem de prisão contra Leila Diniz chegou a ser dada, mas foi revogada. Entretanto, a atriz teve de assinar um termo de responsabilidade dizendo que não falaria palavrões publicamente.

Leila Diniz posa para foto com a barriga de fora na Ilha de Paquetá, em 1971. Imagem: Reprodução.

            Além de ser autora de falas que iam contra o regime em vigor, Leila Diniz também tinha comportamentos que incomodavam a ditadura. Neste contexto, destaque para o momento icônico em que ela deixou-se fotografar com a barriga amostra enquanto estava grávida em um dia de sol na Ilha de Paquetá, na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1971. Este fato escandalizou a sociedade porque acreditava-se que ela deveria posar com um tecido largo, cobrindo a barriga. Destaque também para a ocasião em que deu um “selinho” na também atriz Betty Faria no ano de 1969, auge da ditadura.

            Apesar de ter sua prisão revogada e ter se comprometido a adotar um vocabulário mais “aceitável”, Leila Diniz viu os trabalhos desaparecerem. A TV Globo opta em não renovar o contrato da atriz. Além disso, Leila era mal vista entre os simpatizantes da ditadura e também entre aqueles que faziam oposição a mesma. Entre o primeiro grupo, a atriz era conhecida por afrontar a “moral e os bons costumes”. Já no segundo grupo, especialmente entre os movimentos feministas, Leila Diniz era acusada de “fazer o jogo dos homens” ao falar sobre temas relacionados a sexualidade e desejo feminino. Havia o entendimento de que as “pautas políticas” eram prioridade.

            Percebendo que não estava conseguindo trabalhar como atriz e precisando de dinheiro, abriu a loja Doze, uma boutique, com Vera Barreto Leite. Entretanto, não era isso o que Leila queria. Cogitou também abrir uma escola para crianças, mas não deu tempo. O filme Mãos Vazias (1971) rendeu a Leila Diniz um convite para participar de um festival de cinema em Adelaide, na Austrália, em 1972. Na volta para o Brasil, Leila, Bigode, Arduíno Colasanti e Ana Miranda decidiram passar uns dias na Malásia e outros na Tailândia. De lá, o grupo de amigos seguiria para a Índia. Leila, com saudades da filha, que na época tinha apenas sete meses e ficou no Rio de Janeiro sob os cuidados da amiga Ana Maria Magalhães, decide retornar ao país. O avião em que Leila estava faria escalas na Índia, no Irã, Egito, Roma e Inglaterra, antes de seguir para o Rio de Janeiro. Porém, o avião nunca chegou ao seu destino final. No dia 14 de junho de 1972, a poucos minutos antes de aterrissar no aeroporto de Nova Dhéli (Índia), a aeronave em questão caiu, matando 78 passageiros e 11 tripulantes. Leila Diniz estava entre as vítimas fatais.

            A morte de Leila Diniz causou grande comoção no Brasil. Centenas de fãs foram se despedir da atriz quando os restos da mesma foram enterrados no Cemitério São João Batista, em Botafogo, bairro nobre da cidade do Rio de Janeiro. Tal comoção se estendeu por muitos dias. O inquérito do acidente que vitimou fatalmente Leila Diniz e outras dezenas de pessoas concluiu que a fatalidade ocorreu por falha humana. Além disso, Leila Diniz ganhou um prêmio póstumo de melhor atriz no Festival de Adelaide.

Conclusão

            Embora não se reconhecesse feminista, Leila Diniz é reconhecida como uma mulher que defendeu pautas que até hoje constam entre as reivindicações do movimento em questão. Embora inconsciente, a luta de Leila contra a ditadura não foi pegando em armas e/ou fazendo parte de grupos de guerrilha. A atriz escolheu combater o regime em vigor transgredindo as normas morais vigentes. Atualmente, discussões em torno da sexualidade e prazer sexual são presentes em movimentos feministas. Porém, o mesmo não acontecia há 50 anos atrás. Este fato ajuda a entender a razão de Leila Diniz ter sido vista como “alienada” por seus contemporâneos que faziam oposição ao regime.

Referências:

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/06/14/morta-aos-27-ha-50-anos-leila-diniz-faria-revolucao-ate-no-brasil-de-hoje.htm visualizado no dia 12/04/2023;

https://www.bbc.com/portuguese/geral-61795046 visualizado no dia 12/04/2023;

https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/famosos/o-beijo-gay-sutil-mas-emblematico-de-leila-diniz-em-betty-faria visualizado no dia 12/04/2023.

Como citar este texto:

ALVES, Marllon. Leila Diniz e a emancipação feminina. In: Gênero e História. Disponível em: https://generoehistoria.com/2023/04/14/leila-diniz-e-a-emancipacao-feminina/ publicado no dia 14/04/2023.

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