Primeiras-damas do Brasil (Parte III): Darcy Vargas, a “mãe da nação”

Darcy Vargas ao lado do marido e então Presidente da República Getúlio Vargas. Imagem: Reprodução.

Por Marllon Alves

            A primeira-dama de hoje tem uma trajetória de vida similar à de muitas mulheres que viveram entre o fim do século XIX e o começo do século XX: abandonaram a educação formal para se dedicar ao casamento e aos filhos, casou em tenra idade e teve muitos filhos em um curto espaço de tempo. Apesar das constantes traições por parte de seu marido, Darcy Vargas e o esposo apresentaram perante o público a imagem de “família feliz”. Além disso, Darcy imprimiu no Brasil um comportamento de primeira-dama que até hoje influencia as esposas dos presidentes do país.

            Darcy Sarmanho Vargas nasceu no ano de 1895 em São Borja, no estado do Rio Grande do Sul. Seu pai era estancieiro e comerciante. Em 1911, quando tinha apenas 15 anos de idade, contraiu matrimônio com Getúlio Vargas, que também era da mesma cidade. No ano seguinte é iniciada a maternidade de Darcy com o nascimento dos filhos Lutero (1912-1912), Jandira (1913), Alzira (1914), Manuel Antonio (1916) e Getúlio Filho (1917). Darcy Vargas cumpriu o que se esperava de uma mulher de seu tempo, especialmente de uma mulher com grande poder aquisitivo: casar e ter filhos.

            Darcy Vargas esteve ao lado daquele que viria a ser o futuro Presidente da República desde o momento em que este começou a traçar a sua trajetória política. Apesar disso, é importante ressaltar, Darcy jamais procurou ter sua imagem desvinculada a do marido e foi dentro da visão tradicional de esposa e mãe que a mulher deveria exercer que a mesma procurou delinear a sua trajetória política. Darcy foi esposa do advogado e deputado estadual Getúlio Vargas (1909-1913, 1917-1922), do deputado federal pelo Rio Grande do Sul (1922-1926), do Ministro da Fazenda no governo Washington Luís (1926-1927), do governador do estado do Rio Grande do Sul (1928-1930), do chefe do governo provisório implantado em 1930 e do Presidente da República (1930-1945, 1950-1954).

            Conforme citado neste texto, foi como esposa e mãe que Darcy Vargas procurou exercer sua atuação política. No ano de 1930, no Rio Grande do sul, criou a Legião da Caridade, uma associação composta por mulheres de alto poder aquisitivo do estado que se organizaram para produzir roupas, arrecadar e distribuir alimentos para as famílias cujos homens (pais,  maridos e filhos) acompanharam Getúlio Vargas em sua “aventura política”. No final dos anos 1930, quando já ocupava o posto de primeira-dama, Darcy fundou a Fundação Darcy Vargas – Casa do Pequeno Jornaleiro, cujo objetivo era ajudar os menores que vendiam jornais no centro do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Já em 1942 criou a Legião Brasileira de Assistência, instituição criada com o objetivo de amparar os soldados mobilizados por conta da Segunda Guerra Mundial e seus familiares.

Registro da então primeira-dama Darcy Vargas (a segunda da direita para a esquerda) durante visita ao Instituto de Proteção e Assistência à Infância, fundada pelo médico Moncorvo Filho. Imagem: Augusto Malta.

            A atuação de Darcy Vargas no campo da assistência social está alinhada com as concepções e práticas que orientaram a atuação das mulheres na esfera política entre os anos 1930 e 1940. Questões sociais e assistenciais, relacionadas à maternidade, ao feminino e à infância estiveram na agenda política de diversas mulheres deste período. Carlota Pereira de Queiroz e Bertha Lutz, como deputadas, participaram da criação de políticas públicas direcionadas à maternidade e a infância. Pérola Byinton criou em São Paulo a Cruzada Pró-Infância, “por meio do qual foram desenvolvidos vários programas e serviços de proteção à infância e à maternidade” (SIMILI, 2006: p. 3).

            Além de ter a sua atuação social contextualizada a das mulheres de seu tempo, a atuação de Darcy estava alinhada com a imagem que Getúlio Vargas criou de si mesmo. O então Presidente da República procurou agradar as diferentes classes sociais, criando leis que até a atualidade influenciam as relações de trabalho no Brasil, como por exemplo as férias remuneradas, licença maternidade e a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), por exemplo. Este fato não significa que Vargas seja comunista, pois isso ele nunca foi. O mesmo perseguiu e prendeu intelectuais, políticos e artistas que se reconheciam como tal. Além disso, o PCB (Partido Comunista Brasileiro) foi lançado à clandestinidade quando Getúlio Vargas chegou ao poder.

            Dentro do contexto acima citado, Vargas procurou censurar toda informação negativa publicada na imprensa a seu respeito. Para construir a sua autoimagem, o então presidente criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Tal departamento se encarregou de criar a imagem de um Getúlio Vargas preocupado com o futuro da nação (as crianças eram presença constante em suas propagandas) e com o bem-estar dos pobres trabalhadores, sempre presentes na autoimagem de Vargas. Desta forma, o então presidente se apresentava como o “pai da nação”. De igual modo, Darcy Vargas se colocava como a “mãe da nação”. Além da realização de obras sociais que reforçavam tal imagem, esta mesma “mãe” tinha filhos, marido e foi uma seguidora incondicional das normas sociais de seu tempo.

            Apesar da imagem pública de “casal exemplar”, Getúlio Vargas traiu Darcy inúmeras vezes. Algumas das mulheres com quem o então presidente teve relações extraconjugais foram a vedete Virginia Lane e Aimeé Lopes. Esta última era esposa do amigo de Getúlio, o oficial de gabinete Luiz Simões Lopes, que mais tarde viria a ser presidente da Fundação Getúlio Vargas por quase 50 anos. A família e até mesmo a própria Darcy teriam ciência das traições praticadas por Getúlio. Embora soubesse de tudo, a então primeira-dama não tinha outra opção, a não ser ignorar as traições do marido. Isso porque a traição era entendida (talvez seja ainda hoje) como algo inerente ao homem. Além disso, a pessoa divorciada era estigmatizada, principalmente a mulher. Com isso, Darcy Vargas não tinha outra opção a não ser permanecer casada. O divórcio não combinava com o papel de “mãe da nação”.

Conclusão

Getúlio Vargas foi o Presidente da República que mais tempo permaneceu no poder, totalizando 19 anos (1930-1945, 1950-1954) no exercício da Presidência da República. Logo, Darcy Vargas foi a mulher que mais tempo exerceu o posto de primeira-dama no Brasil. Esta viu a comoção que o suicídio do marido causou, no ano de 1954. Aliás, comoção semelhante o Brasil só veria 40 anos depois, com a morte do piloto Ayrton Senna. Darcy procurou exercer seu papel de primeira-dama alinhado com os papéis e concepções de gênero vigentes até então, além de nunca ousar ter a sua imagem desassociada a figura de seu marido. Saindo, de certa forma, da esfera privada, Darcy Vargas criou um estilo de primeira-dama que influencia até hoje as esposas dos presidentes do Brasil.  

Referências:

– CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no Varguismo e no Peronismo. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998. 310p.;

– SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 694p.;

– SIMILI, Ivana Guilherme. A construção de uma personagem: a trajetória da primeira-dama Darci Vargas (1930-1945). In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 7, 2006. p. 1-7;

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/traicoes-e-amores-mercenarios-vida-intima-de-getulio-vargas.phtml visualizado no dia 20/09/2022;

Como citar este texto:

– ALVES, Marllon. Primeiras-damas do Brasil (Parte III): Darcy vargas, a “mãe da nação”. In: Gênero e História. Disponível em: https://generoehistoria.com/2022/09/23/primeiras-damas-do-brasil-parte-iii-darcy-vargas-a-mae-da-nacao/ publicado no dia 23/09/2022.

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