Primeiras-damas do Brasil (Parte V – final): Marcela Temer, a “bela, recatada e do lar”

Marcela e Michel Temer. Imagem: Reprodução/Instagram.

Por Marllon Alves

            Marcela Temer chamou a atenção da mídia em 2011, ocasião da cerimônia de posse do primeiro mandato de Dilma Rousseff. O modo exuberante como se vestia, bem como a diferença de idade para o marido, o então vice-presidente Michel Temer, chamaram a atenção. Entretanto, Marcela Temer mudou radicalmente seu modo de vestir quando se tornou primeira-dama do Brasil, em 2016. Além disso, o modo como uma revista tradicional e de circulação nacional classificou a então nova primeira-dama do Brasil viralizou por semanas nas redes sociais.

Marcela e Michel Temer em cerimônia de posse do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2011. Imagem: Folhapress.

            Marcela Tedeschi Araújo Temer nasceu em Paulínia, São Paulo, em 1983. No ano de 2002 foi eleita Miss Paulínia e chegou a ser vice Miss São Paulo em um concurso que não tinha nenhuma relação com concursos nacionais. Foi neste mesmo ano que Marcela conheceu seu futuro marido: Michel Temer. Geraldo, tio de Marcela, era funcionário da prefeitura de Paulínia e filiado ao PMDB. E foi justamente acompanhando o tio em uma convenção do partido em questão que Marcela conheceu Michel Temer, então presidente da Câmara. Ambos começaram a namorar, Marcela tatuou o nome do amado na nuca e em 2003, numa cerimônia super discreta, ambos se casaram.

            Nos anos seguintes, Marcela continuou discreta como sempre. Formou-se em Direito pela Fadisp, Faculdade de São Paulo, no ano de 2009. Entretanto, Marcela Temer nunca fez o exame da OAB e consequentemente nunca exerceu a advocacia. Isso aconteceu porque na mesma época nasceu Michel Filho, ou Michelzinho, como é mais conhecido. Desde o casamento com Michel Temer, Marcela não trabalhava, tendo apenas feito alguns trabalhos como modelo e atuado como recepcionista no jornal O Momento. Com o nascimento do filho, Marcela passou a dedicar-se aos cuidados para com o filho e da casa onde mora com o esposo.

Marcela ao lado de Michel Temer após ser elevada ao cargo de primeira-dama do Brasil. A maquiagem exuberante, os penteados bem elaborados e as roupas de cores vivas foram substituídas por uma maquiagem mais discreta, penteados com o mesmo perfil e roupas de tons mais claros. Imagem: Beto Barata/PR.

            Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014) e em parte do segundo mandato da mesma (2015-16), Marcela Temer manteve discrição. A situação mudou quando Dilma foi deposta em um processo de impeachment (que hoje quase todos reconhecem como golpe) no ano de 2016. A figura de Marcela voltou à tona porque agora ela seria a nova primeira-dama do Brasil. Desta vez, Marcela Temer estava diferente: nada de penteados bem elaborados, maquiagem deslumbrante e roupas em cores vivas. Desta vez, Marcela passou a adotar penteados e maquiagem igualmente discretos e a primeira-dama passou a usar roupas em tons mais claros. Além disso, Marcela Temer seria a embaixadora do programa Criança Feliz, cuja finalidade era “oferecer às famílias mais informação e interação com suas crianças, para identificar oportunidades e riscos ao desenvolvimento infantil”, dizia a página oficial do Palácio do Planalto.

            Marcela Temer estava exercendo o papel que se esperava de uma mulher em posição como a dela: doce, linda, submissa, coração voluntarioso, mãe e esposa. Além disso, era reforçado a todo instante que o trabalho a ser exercido por Marcela era voluntário. Afinal, ela era casada e seu esposo supria todas as suas necessidades materiais. Ainda em 2016, a revista Veja fez uma reportagem sobre Marcela Temer onde a classificava como bela, recatada e do lar. A repercussão foi grande e negativa e em forma de protesto, mulheres de todo o Brasil colocaram em suas redes sociais fotos em poses e realizando tarefas não muito “convencionais” para uma mulher com a legenda “bela, recatada e do lar”. Para entender todo este contexto é necessário voltar um pouco no tempo.

Dilma Rousseff ao lado da filha na ocasião de cerimônia de seu segundo mandato, em janeiro de 2015. Imagem: Reprodução.

            Os dois mandatos de Dilma Rousseff não foram revolucionários, mas se deve reconhecer que os mesmos vieram com a proposta (ou ao menos tentou-se) quebrar alguns paradigmas. Neste contexto, Dilma chamou algumas mulheres para comporem seu corpo ministerial e neste contexto, destaque para Graça Foster, primeira mulher a chegar à presidência da Petrobras e a primeira mulher do mundo a chefiar uma petroleira. Além disso, em ambas as cerimônias de posse de Dilma Rousseff não se viu um desfile em carro aberto de um casal do sexo oposto, mas sim uma mãe acompanhada de sua filha. Esta era uma verdadeira afronta ao patriarcado.

            Chama a atenção o fato de que as manifestações que pediam o afastamento de Dilma Rousseff lhe dirigiam ofensas, xingamentos e até mesmo charges que não costumam ser dirigidas aos homens, por mais corruptos que estes possam ser. Tais manifestações tinham uma forte conotação de gênero por duas razões: o Brasil é um país patriarcal e muita gente estava incomodada com o fato de uma mulher estar ocupando o posto máximo da política brasileira. Apesar dos ritos e jargões específicos, este ódio pelo fato de uma pessoa do sexo feminino estar chefiando a nação acompanhou Dilma Rousseff durante o processo de impeachment nas Câmaras dos Deputados e do Senado. Os ritos e linguagens da política institucional brasileira não foram capazes de esconder a ojeriza que um Congresso majoritariamente branco, masculino, heterossexual, de classe média/elite sentia por ter uma mulher no posto máximo da política brasileira.

Conclusão

            Embora possa não ter consciência disso, o fato é que Marcela Temer foi a personificação da imagem de mulher que predominava no governo Temer: submissa, gentil, voluntariosa, discreta, de poucas palavras, “recatada e do lar”. O golpe que tirou Dilma Rousseff do poder foi sobretudo econômico (os direitos trabalhistas e previdenciários foram duramente atacados depois que Dilma foi afastada da presidência) e também moral, atingindo sobretudo as mulheres. Além do ódio direcionado a Dilma, Michel Temer foi duramente criticado por convocar somente homens brancos (nunca é exagero ressaltar os marcadores de raça) para seu corpo ministerial. O golpe que tirou Dilma da Presidência da República foi também uma tentativa de restabelecer a ordem patriarcal no Brasil e Marcela Temer foi uma peça importante neste mesmo plano.

Referências:

https://epoca.oglobo.globo.com/tudo-sobre/noticia/2016/10/marcela-temer.html visualizado no dia 28/10/2022;

https://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/ visualizado no dia 28/10/2022;

https://www.socialistamorena.com.br/o-lugar-de-primeira-dama-assistencialista/ visualizado no dia 28/10/2022.

Como citar este texto:

– ALVES, Marllon. Primeiras-damas do Brasil (Parte V – final): Marcela Temer, a “bela, recatada e do lar”. In: Gênero e História. Disponível em: https://generoehistoria.com/2022/10/28/primeiras-damas-do-brasil-parte-v-final-marcela-temer-a-bela-recatada-e-do-lar/ publicado no dia 28/10/2022.

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