O drama pessoal que inspirou uma lei nacional

Sandra Regina Arantes do Nascimento Felinto em pose para foto. Imagem: Reprodução.

Por Marllon Alves

            Durante os anos 1990, a luta de Sandra Regina pelo reconhecimento paterno foi assunto nos mais diversos jornais e emissoras de televisão. Seu pai era o eterno rei do futebol: Pelé. O mesmo se mostrou relutante em reconhecer a moça como sua filha. Tal ato ocorreu mediante ordem judicial e após diversos exames DNA. A luta de Sandra Regina pelo reconhecimento paterno inspirou uma lei na cidade de Santos (SP), onde foi vereadora, não demorando muito para que a mesma atingisse um caráter nacional.

            No começo dos anos 1960, Pelé já era um futebolista conhecido no mundo esportivo e também bastante popular; e não era para menos. Até este momento, o rei do futebol já tinha no currículo duas Copas do Mundo (1958 e 1962), cujo torneio é simplesmente a maior competição esportiva do mundo. É neste contexto onde Pelé se envolve com a empregada doméstica Anísia Machado, que trabalhava para o rei do futebol. Sandra Regina, fruto desta relação, nasceu 1964. Na época, Pelé era casado com Rosimeri Cholbi, com quem teve três filhos: Kelly, Edinho e Jennifer. Sandra cresceu sem a presença do pai e quando já era uma mulher adulta, decidiu lutar pelo reconhecimento paterno por parte de Pelé. Era o inicio de uma longa batalha.

            No início dos anos 1990, Sandra Regina trabalhava como balconista quando decidiu procurar Pelé. Ela chegou a telefonar para as casas de Pelé e a falar com uma irmã do rei e também com uma então governanta do mesmo. Segundo a própria Sandra, elas foram simpáticas e atenciosas, mas nada podiam fazer. Sandra não teve outra opção, a não ser recorrer aos tribunais. Em 1991, foi feito um exame de DNA e o resultado, que saiu no ano seguinte, comprovou a paternidade de Pelé. Entretanto, o mesmo contestou o resultado e moveu 13 recursos judiciais contra a própria filha. No ano de 1996, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que Sandra Regina era filha de Pelé. Com isso, ela pôde acrescentar o “Arantes do Nascimento” em sua certidão de nascimento. De agora em diante, o nome completo de Sandra Regina passou a ser Sandra Regina Machado Arantes do Nascimento Felinto.

Sandra Regina em fotografia feita por Vidal Cavalcante/AE.

            Pelé reconheceu a contragosto a paternidade de Sandra e isso não significa que um sentimento paternal tenha nascido no coração do rei do futebol. Pelé nunca se interessou em se aproximar de Sandra e na época chegou a declarar que, embora a moça possa ser biologicamente sua filha, ele não tinha nenhum sentimento por ela, uma vez que não a conhecia. Sandra morreu em 2006 por complicações em decorrência de um câncer. Mesmo no leito de morte, Pelé não procurou pela filha. Para o sepultamento, o rei do futebol enviou coroa de flores em nome de suas empresas, que foram devolvidas. A rejeição de Pelé por Sandra se estendeu para os dois filhos que esta teve. Conta-se nos dedos os momentos em que o rei do futebol se encontrou com os rapazes em questão. Os jovens tiveram que recorrer a justiça para receber uma pensão por parte do avô.

            Curiosamente, Pelé reconheceu sem contestações e alardes a paternidade de Flávia em 2002. A moça era fruto de um relacionamento do então jogador com uma estudante de jornalismo. Além disso, quando o rei do futebol se casou com Assíria, ela já tinha Gemima Lemos MacMahon, fruto de uma relação anterior. Foi Pelé quem auxiliou na educação da moça, que posteriormente foi reconhecida como filha do rei pela justiça. Com Assíria, Pelé teve os gêmeos Joshua e Celeste. A rejeição de Pelé por Sandra tornou-se uma grande polêmica e o rei do futebol recusava-se a dar entrevistas sobre o assunto. Criou-se um dilema em torno deste fato, pois estamos falando de um homem que fez mil gols na carreira e tem no currículo três Copas do Mundo; e que rejeitou a filha publicamente sem nenhum pudor. A saída encontrada foi admirar o Pelé e repudiar o Edson.

            O eterno rei do futebol não costumava falar sobre a paternidade rejeitada, mas houve poucas vezes em que ele falou sobre o assunto. Em uma ocasião, ele disse que não se aproximou de Sandra por conta das pessoas que estavam em volta dela, inclusive o marido da mesma. Pelé conta que se sentia coagido a dar constantes compensações financeiras a filha. E quando perguntado sobre o modo diferenciado como tratou as filhas Flávia e Sandra, que pediram o reconhecimento paterno quando já eram adultas, Pelé disse que a primeira filha nunca teria pedido nada. Já Sandra, na visão de Pelé, queria o nome do mesmo em sua certidão de nascimento e quando conseguiu isso, passou a exigir parte da herança do ex-jogador. Ainda segundo Pelé, Sandra nunca quis uma aproximação, levou o caso para a mídia e a filha sempre teria falado com ele por intermédio de um advogado.

            A notoriedade da batalha para ser reconhecida como filha de Pelé e a facilidade de comunicação levaram Sandra para a vida política. Foi eleita vereadora no ano 2000 na cidade de Santos (SP) pelo PSC (Partido Social Cristão), sendo reeleita quatro anos depois. Sandra tentou ser eleita deputada estadual nas eleições de 2002 e 2006 e, embora tenha obtido uma quantidade de votos expressiva nas duas ocasiões, não foi votada o suficiente para conquistar uma cadeira na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). Estamos falando de uma época onde os exames de DNA não eram feitos com a facilidade e acesso dos dias contemporâneos; e uma vez que o caso de Sandra teve repercussão nacional, a mesma era abordada com frequências nas ruas. As pessoas que passavam pela situação que ela passou pediam ajuda sobre o assunto. Diante deste fato, no ano de 2001 Sandra apresentou um projeto de lei que instituía o exame de DNA de forma gratuita. O projeto foi aprovado e virou lei municipal. Não demorou muito para que a lei em questão fosse estendida para todo o Brasil, tornando-se uma lei federal.

Conclusão

            A recusa inicial e a rejeição de Pelé pela filha Sandra foram um estigma que perseguiu o rei do futebol por muitos anos. Quando o mesmo vivia seus últimos dias de vida, tal fato voltou à tona novamente, onde muitos elogiavam a lenda e reprovavam o ser humano. A notoriedade que Sandra obteve neste caso a levou a vida política, onde um drama pessoal a levou a criar uma lei municipal que posteriormente seria estendida para todo o país. O objetivo era evitar que as pessoas, famosas ou anônimas, passassem pela via crucis que ela passou. 

Referências:

https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2013/12/netos-de-pele-conseguem-na-justica-o-direito-de-receber-pensao-do-avo.html visualizado no dia 14/12/2023.

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/jogada/quem-e-sandra-filha-de-pele-nao-reconhecida-pelo-jogador-1.3308249 visualizado no dia 14/12/2023.

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1810200615.htm visualizado no dia 14/12/2023.

https://www.hojeemdia.com.br/esportes/as-filhas-do-rei-pele-enquanto-sandra-batalhou-pelo-sobrenome-flavia-ganhou-o-carinho-1.941150 visualizado no dia 15/12/2023.

Visualizado no dia 14/12/2023,

Como citar este texto:

ALVES, Marllon. O drama pessoal que inspirou uma lei nacional. In: Gênero e História. Disponível em: https://generoehistoria.com/2023/12/15/o-drama-pessoal-que-inspirou-uma-lei-nacional/ publicado no dia 15/12/2023.

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